O banho, essa tarefa tão máscula
Reza a lenda que,
em tempos longínquos e numa galáxia distante, existiu uma cimeira de parturientes
que, em assembleia geral, decidiu, num ato de tremenda bondade, que a tarefa do
banho era coisa para o macho lá de casa. Chamaram-lhe o “Tratado das Migalhas da
Gravidez” e teve origem numa conversa deste género: “Epah, nós é que estamos
com a criança desde que ainda era um embrião, nós é que amamentamos, nós é que
estabelecemos os laços iniciais mais fortes… Deixa-os lá ficar com o banho,
coitados… Aquilo mais cedo ou mais tarde vai-nos começar a dar cabo dos braços
e das costas mesmo…”.
E assim foi…
Desde esse dia que, de uma forma (aparentemente) natural, o banho é coisa para o
pai da criança. E que aventura que é…
No nosso caso a
aventura do banho começou ainda com a Maria do Carmo na barriga de sua mãe, substituída temporariamente por um daqueles Nenucos de marca branca com um ar muito feliz. Despi-o, "lavei-o" e vesti-o com uma desenvoltura espectacular, levando-me a crer que estava
preparadíssimo para aquilo e que tudo estava sob controlo. Nessa altura, e para
não estar a criar falsas expectativas, tinha-me dado jeito lembrar-me logo de
que aquela banheira um dia iria ter água, que essa água iria ter sabão e que
aquele Nenuco iria ter… vida vá.
Pois então,
alguns meses volvidos, a criança decide nascer e, ao segundo dia de vida, eis
que chega a hora da verdade:
“Então, quem é
que vem dar o primeiro banhinho para aprender?”, pergunta a enfermeira toda
prestável.
“Sou eu claro!”
Diz o pai de peito feito, todo orgulhoso e cheio de basófia.
“Então vá, eu vou
dar a este bebé aqui da cama ao lado, para vos explicar como é, e o pai depois
faz sozinho com a Maria do Carmo para eu ver…”
E assim foi.
Assisti mais uma vez ao ritual do pré banho (limpeza de olhos, nariz, ouvidos e
boca com compressas com soro), assisti ao banho, assisti ao ritual pós banho
(secagem, limpeza do cordão e colocação da fralda) e pronto, lá estava eu, prontíssimo e cheio de confiança. Tratei da água (a 37 graus), preparei tudo
aquilo de que ia precisar (muito importante para depois não ter que abandonar o
estaleiro para ir buscar coisas, deixando o pequeno cachalotezinho desprovido
de atenção) e atirei-me de cabeça àquela empreitada.
Poucos minutos
foram precisos para que eu pusesse em causa uma série de coisas, desde a minha
masculinidade, ao meu controlo sobre o meu próprio corpo, ou à minha capacidade
para criar e tratar de outro ser humano.
Parece que lavar
um bebé recém nascido (pelo menos as primeiras tentativas) é como tentar roubar
uma sandes de torresmos ao Fernando Mendes dentro de uma piscina de lama. Por
muito que o tentes agarrar ele vai-te sempre fugir por qualquer lado, e quando
finalmente achas que já o agarraste bem e que já são favas contadas, dás conta
que já está a usar as duas mãos e que por isso não tens como lhe tirar a sandes
(porque ires lá com a boca é nojento).
Tudo escorrega,
tudo desliza, tu tens medo de segurar com força, tens medo de meter água onde não
deves, tens medo de esfregar a mais, tens medo de esfregar a menos, tens medo
de mexer naquele monstro do lockness horrendo que é aquele cordão (falaremos
sobre ele com calma um dia mais tarde, quando eu já não me lembrar) enfim, é
toda uma aflição.
Resultado: a meio
do banho já estava mais encharcado em suor do que a criança com a água do
banho, a enfermeira já só me perguntava se precisava de alguma ajuda porque
parecia estar em sofrimento (eu, não a criança), e a mãe da criança só não
rebolava no chão a rir porque ainda estava meia dorida, caso contrário estou
certo de que o teria feito.
Não desisti!
Levei a minha missão até ao fim e, embora de forma um pouco árdua, cumpri-a com
sucesso e distinção.
A partir daqui é
tudo mais fácil. Rapidamente percebemos que as crianças não se partem, que
podem ser manuseadas com alguma ligeireza (desde que com cuidado), que se
entrar um bocadinho de água para qualquer lado ninguém morre (desde que se
seque em condições), que o cordão não explode se nós lhe tocarmos (e nós também
não) e que se estivermos calmos e descontraídos é meio caminho andado para eles
também estarem.
É óbvio que nem sempre
as coisas são como naqueles vídeos fofinhos em que a criança está a berrar desalmadamente e, logo que é posta dentro de água, acalma, mas o que é facto é
que, se conseguirmos que a pessoínha associe aquele momento a alegria e
diversão e não a algum trauma ou medo, este pode mesmo ser um ótimo momento de
relaxamento e paródia para todos… No nosso caso a criança adora água, adora o
banho e já está inclusive na natação (falaremos disso também um dia destes), onde, desde
o primeiro dia, tudo corre também às mil maravilhas.
Não usámos shantala
(por nenhuma razão em particular). Enquanto coube tomou banho numa banheira
básica do IKEA e, quando deixou de caber nessa, compramos uma daquelas
banheiras com os apoios para os “encaixar” e eles poderem lá ficar deitados
dentro sem os estarmos a segurar (ambas de colocar em cima do troca fraldas). Esta
segunda foi a melhor compra da vida. Ter as duas mãos libertas para os lavar e
para a brincadeira é do melhor que há.
Hoje em dia o
banho é uma festa para os 3, e se acabo encharcado a culpa já é dela, e não minha.
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