Meu rico Dragon Ball
Em tempos que já
lá vão, a infância era simples e descomplicada. Não havia grandes escolhas a
todos os níveis e a malta era feliz e sã. Depois inventaram os canais de TV
para crianças.
Por esta altura,
e pelo tom ácido que já hão-de ter reconhecido nestas linhas, já calculam que
vem lá queixume… E calculam bem, porque vem mesmo.
Há 20 anos atrás
a coisa era simples: fosse de que idade fosse, e no que dizia respeito a
bonecadas, a criança via o Dragon Ball. E não havia surpresas nem complicações…
Todos nós (crianças e pais) sabíamos o que esperar dali: 30 minutinhos de
violência despropositada entre seres alienígenas, acompanhados por uma dobragem
na qual, em determinadas alturas, se conseguiria facilmente substituir o
Songoku pelo Sá Leão e o Freezer pela Érica Fontes. O Tartaruga Genial assegurava
o humor (porcalhão, mas humor nevertheless), o Booboo tinha a sua rúbrica sobre
hábitos alimentares que punha qualquer Nutriventures a um canto, o Krilin,
baixinho e careca, fazia o seu trabalho de inclusão das minorias e o Dende punha
ali alguma calma, serenidade, sensatez e, atrever-me-ia até a dizer, algum
carinho. E pronto, estava ali uma receita de horas e horas de diversão
televisiva para toda a família, desde o bebé recém nascido que babava com as
cores garridas e os sons estridentes, até ao avô, que tinha sonhos javardos com
a Bulma.
Mas não… Era muita
violência. Era demasiado deboche… Era necessário criar-se algo mais adaptado às
crianças e às suas várias fases de desenvolvimento. Primeiro veio o Panda, depois
o Baby TV, depois o JimJam, e por aí fora, até aos dias de hoje, em que eu demoro
mais tempo a fazer zapping pelos canais dos putos do que pelos nossos… E os
esquisitinhos da televisão todos contentes, porque agora os meninos já têm
conteúdos adaptados às suas necessidades…
Pois bem, permitam-me
discordar desse contentamento, porque na realidade aquilo que eu vejo é isto:
- Um ursinho,
claramente dependente de psicotrópicos, que, todas as noites ao chegar a casa
com uma moca gigantesca, relata à sua mãe histórias completamente alucinadas como a
de um saltitão que remava no lago enquanto fugia dele ou sobre a tarde que
passou com a sua “amiga” e o seu avô dentro de um castelo de areia. A mãe,
claramente em negação face ao problema do ursinho com as drogas, alinha sempre na
conversa e faz de conta que está tudo bem.
- Uma família de
porcos claramente disfuncional e discriminatória em que temos a Porquinha Pepa
(fofinho), a Mãe Porquinha (fofinho), o Pai Porquinho (fofinho) e o irmão: o
Jorge… Hã?? Mas porquê??
- Uma amizade
esquisita entra uma jovem criança do sexo feminino e um urso adulto do sexo
masculino que faz tudo o que ela manda, não se conseguindo perceber muito bem
em que tipo de regime vivem, tendo em conta que volta não volta ela vai-se
embora não se sabe muito bem para onde… Mas onde é que estão os pais desta
criança? Ninguém lhes diz que a miúda ainda é novinha para já ficar tantas
vezes fora de casa?
- E as músicas??
Quem é que nunca se perguntou porque raio é que o Matias havia de dançar o
tango a fazer beicinho? Quem é que nunca se perguntou o que é que os senhores
do Baby TV querem dizer com “dorme meu bebé, no quentinho de um mémé”? Quem é
que nunca sentiu uma vontade tremenda de cortar os pulsos com uma faca de barrar
ao ouvir que “o meu moinho, o meu moinho, o meu moinho gira, o meu moinho, o
meu moinho, o meu moinho gira!”?
Foi para isto que
afastaram as crianças de um projecto tão didáctico e educativo como o Dragon
Ball? Não percebo…
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