A Odisseia do 1º Aniversário
Quando está
prestes a entrar neste admirável mundo da paternidade, és constantemente
alertado para uma série de problemáticas… Ele é a privação do sono, ele é o
teres que deixar de ir à bola, é a fortuna que vais gastar, as creches, as
doenças, o deixares de treinar… Enfim, todo um manancial de coisas assustadoras
para as quais te vais preparando a fim de o impacto ser o menos doloroso
possível.
Há, no entanto,
uma coisa para qual ninguém te vai alertar e para a qual, consequentemente, tu
não te vai preparar, e, por isso, aqui estou eu, mais uma vez, a prestar aquilo
que acredito ser serviço público à séria.
Então e que coisa
é essa tão grotesca, violenta e assustadora sobre a qual ninguém nos fala,
perguntam vocês em coro… E eu respondo: a primeira festa de aniversário da
vossa criança.
Acham que trocar
fraldas é mau?
Acham que acartar
com um ovo com um leitão de 7Kg lá dentro por umas escadas acima é mau?
Acham que ter que
lavar um quarto à pressão depois de uma explosão de cocó é mau?
Acham que não
dormir é mau?
Então esperem até
terem que preparar a festa do primeiro aniversário da vossa criança…
Vamos por partes,
para ser mais fácil de assimilar:
FASE I – A preparação
- Tens uma
criança com apenas um ano, o que faz com que tenhas muito pouco tempo livre, o
que quer dizer que vão começar a falar em ir preparando a festa dela ainda com dois
meses de antecedência, mas vão acabar por pensar em tudo na véspera, vão ligar
aos vossos pais a pedir as coisas mais trabalhosas ou que precisem de ser
confeccionadas e um de vocês vai sair de casa para ir às compras para a festa às
dez da noite.
- Enquanto
empurras a coisa com a barriga vais ter sempre em mente que, como é a festa de
um bebé, a coisa não vai meter muita gente, mas quando, dois dias antes,
começas a fazer contas, rapidamente percebes que estás perante um evento para,
pelo menos, umas 30 pessoas. Pior! Dás-te conta que grande parte dos teus
amigos já tem filhos e que, para além destas 30 pessoas, ainda há umas 15
crianças.
- E onde é que eu
enfio esta gente toda? Em casa está fora de questão, Deus me livre! Está bom
tempo… Era giro irmos para um parque, para os miúdos brincarem e assim. Alvito?
Nah, praticamente não tem relva e as mesas ao pé do parque da criançada estão reservadas
por manadas de convivas selvagens desde as 6:15 da manhã, parecem as tribunas
da Avenida para ver as marchas. Serafina? Muita relva, muita sombra, muito
conhecido, muita gente. Next! Parque dos Poetas? Demasiado longe. Parque das
Gerações? Pior… Espera! Duuhh! Temos mesmo aqui o Parque dos Moinhos de Santana,
onde costumamos ir com ela… Não tem muita gente, tem muita relva, algumas
sombras, boa infraestrutura, não há stress para estacionar… Está feito! (esta
parte obviamente foi vista com alguma antecedência a fim de se poderem
formalizar os convites)
Compras feitas, pede-se
aos convivas que tragam mais umas mantas para a bufunfa e uns balões e siga,
vamos lá pôr esta festa a andar.
FASE II – A montagem
- Estamos no fim
de um verão quente, é uma festa com crianças pequenas e, por isso, a fim de as
resguardar das horas de maior calor, marca-se o acontecimento para “a partir
das 16h”. Ora o que é que acontece? Como acabaram por tratar de tudo à última
da hora, não pediram ajuda a ninguém para a montagem, portanto, são vocês os
dois e uma criança com um ano (super útil nestas alturas). Acham que assim já é
mau? Agora pensem comigo… Eles almoçam por volta das 12h, estão ali uma horita
a desmoer e depois…?? Toca a dormir a sesta… E não vamos acordá-los claro,
porque queremos que estejam bem dispostos para a festa! Então, de repente, és
tu, duas mesas de apoio, uma grade de minis, uma bola de futebol (prioridades...), uma caixa de legos, dois
triciclos, três sacos de gelo, um garrafão de água e quatro sacos daqueles
grandes que os supermercados vendem a 50 cêntimos, cheios até à boca.
- Já saíste de
casa com tudo atrás e em bicos dos pés para não acordar a criatura, já
atestaste o carro e já chegaste ao parque. E agora? Como é que eu acarto com
esta m#rda toda sozinho? Entras primeiro sem nada para fazer o reconhecimento,
escolhes o sítio perfeito, na relva, com sombra e mesmo em frente ao parque
infantil e começas a missão da transfega. Fazes 3 viagens de ida e volta,
carregado que nem uma mula e sempre a rezar para que entretanto não apareça
alguém que, por maldade (devo admitir que era hilariante), te vá escondendo as
coisas à medida que vais buscar mais. Quando terminas a última viagem olhas
para o relógio: são 15:30 e tu já suas que nem uma lagosta.
- Pões as bebidas
no gelo, montas as mesas, pões as toalhas e os balões e, quando vais começar a
desensacar os restantes enfeites, bugigangas e víveres começas a perceber
claramente, e da pior maneira o nome do parque. “Moinhos”… Porquê? Porque tem
monhos… E porque é que puseram ali moinhos? Por um simples fenómeno que,
lamentavelmente, nunca tínhamos presenciado… Em determinadas alturas do dia faz
ali uma ventania do escambau. Toca de começar a atirar coisas pesadas para cima
da mesa para ver se não temos aqui uma versão IKEA da Mary Poppins.
- Distribuis
comes e bebes, uns enfeites aqui e ali, e parece que a coisa está finalmente a
ganhar forma. Aproxima-se um senhor envergando um colete reflector. Começas
logo a fazer contas de cabeça: “Não estamos de noite, não há aqui trânsito, não
vi nenhuma obra, isto é um relvado extenso e não há mais ninguém à volta… Este
gajo já me vem moer a cabeça por qualquer coisa com certeza.“ Verbaliza o
sujeito: “Boa tarde, olhe, era só para dizer ao senhor que não se podem montar
mesas no relvado.” Silêncio de fúria por alguns segundos… Explicas que é a
primeira vez, mostras o balão com um “1” que comprova que é o primeiro
aniversário, choras-te chamando a atenção para o facto de estares sozinho,
dás-lhe duas minis e dois croquetes e a coisa passa só com uma advertência.
- Acabas de
compor as mesas, olhas para a tua obra, orgulhoso, e percebes que descuraste
mais um pormenor simples da natureza: enquanto tu estavas naquela odisseia, a
terra continuou a girar e, por isso, o local onde, há uma hora atrás havia
sombra, agora está novamente ao sol, porque aquela mula daquela árvore não se
compadeceu do teu inferno e não se movimentou nem um milímetro para te
continuar a dar sombra. Resultado: exercício misto de powerlifting, malabarismo
e ginástica acrobática, para movimentar novamente para a sombra as mesas já
compostas, tentando acertar com os pés das ditas nos parcos pedaços de terreno
não acidentado. Feito. Arruma-se a bagunça.
- Chegam os teus
pais, que entretanto trazem a tua criança e sua mãe. E mais dez caixas de
comida das quais já te tinhas esquecido e para as quais já quase não há espaço.
As mesas já estão novamente ao sol. A mãe da criança começa a colocar defeitos
e a querer mexer nas mesas. BAM! Prega com uma mesa (e tudo o que nela
assentava) no chão. Trocam galhardetes, o avô leva a criança a passear no
triciclo para não atrapalharem, a avó tenta amenizar a coisa enquanto está de
cu para o ar a apanhar pipocas e batatas fritas da relva e vocês lá se entendem
e lá se reorganizam em equipa para reerguer aquilo tudo. Continua uma ventania
dos diabos e tu só consegues imaginar uma criança de cinco anos a levar com um
prato de croquetes voador mesmo em cheio na nuca.
- São 16h30,
começam a chegar os primeiros convidados. Um deles traz balões grandes com
hélio. 10 minutos é quanto duram. Leva-os o vento. Termina um “evento familiar”
que estava decorrer num pequeno coreto mesmo junto ao parque infantil. As
pessoas que lá estavam vão embora. É agora ou nunca! Run bitch, ruuuunn!! Os
convivas que entretanto chegaram ajudam a transportar tudo para aquele abrigo
seguro, cómodo e acolhedor que parece caído dos céus.
FASE III - O essencial
A festa
prossegue. Toda a gente comparece. Todos estão felizes e divertidos. A tua criança, ainda que completamente alheada da dat que se assinala, está maravilhada com tudo. Tu
relaxas. Bebes umas minis e comes qualquer coisa, aprecias o momento… Os teus
estão contentes e, no fundo, é isso que importa. Isso e, antes ainda de se cantar os
parabéns, avisar toda a gente que ninguém se vai embora enquanto aquela
porcaria não estiver toda no carro outra vez.
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