Ai caraças, é agora! Ou a jornada memorável que é (ajudar a) parir uma criança.


Senhores, aviso já que pela primeira vez vai existir alguma mariquice misturada com as barbaridades que normalmente aqui se lêem. Mas vai valer a pena, juro.

E permitam-me que comece com uma consideração inicial em jeito de spoiler: Dudes, confirma-se! Ao fim de nove meses (e uns trocos às vezes) nasce mesmo uma criança. E é do caraças!

Feita que está esta introdução, comecemos pelo princípio, que é para ver se eu não me esqueço de nada:

O cenário é este (ou pode não ser, mas assumamos que sim, porque no nosso caso foi): estamos de férias, tranquilos, gigantes e ansiosos, e num belo dia finalmente acordas com um “estas contracções hoje estão diferentes”. Corres pela casa a festejar feito maluquinho como se tivesses acabado de encontrar um lugar para estacionar mesmo à porta dos Armazéns do Chiado às 15h de 24 de dezembro. A mãe da criança sai da casa de banho e diz: “há sangue, temos que ir para o hospital”. Congelas (apesar da calma absoluta que a mãe da criança ostenta, pois estão ambos fartinhos de saber que aquilo é normal nesta fase). Levas dois tabefes. Mancas-te. Pegas em tudo e sais. Voltas atrás para ir buscar a mãe da criança de quem entretanto te esqueceste. Saem os dois. Voltas atrás novamente. Vestes umas calças e calças uns sapatos. Boa, finalmente estamos a caminho do hospital!

A pessoa que está prestes a ter que expelir um ser com 4.700Kg e sabe-se lá com que envergadura de mona está na maior das tranquilidades. Tu já entraste na fase Charlie e já não sentes nada para além de pânico. Mas vá, como grande fã de Fast&Furious que és, tentas tirar algum partido da situação e aceleras pela rua fora como se fosses tirar o teu pai da forca. Levas um grito. “Para que é esse disparate? Já te disse para ires com calma pah!”. Abrandas e aproveitas o resto do caminho para te acalmares.

Chegados ao hospital pode acontecer uma de duas coisas: “Uiii, a criança está para sair sim, mas isso ainda vai demorar. Vá para casa andar, comer doces e fazer amor (ainda hoje estou para saber qual foi a mulher que alguma vez foi nesta conversa numa altura destas) e volte quando tiver as contracções devidamente compassadas (a cada 5 minutos uma contracção de um minuto durante uma hora); ou então: “Olha, uma cabeça! Já para o bloco!”. No nosso caso foi a primeira, e assim fizemos: casa, andar e comer porcarias. Nada de amor. Sad…

Algumas horas volvidas, e já com contracções dolorosas, é tempo de voltar ao hospital. A história repete-se. E mais uma vez sai-nos a bola nº1. Voltamos para casa.

Felizmente, e ao contrário do que seria talvez expectável, este vai e vem até ajuda a que nos “acomodemos” ao processo que estamos a viver e até ajuda a acalmar os nervos.

Início da madrugada, contracções já assim para o quase insuportável, voltamos à carga. “Ok, não há dilatação, mas essas contrações parecem causadas por um porteiro do Urban, vamos internar.”

Respira-se de alívio. Está quase. Ou não…

O quarto (bloco), que já conhecíamos, está longe de ser aquela sala fria e tenebrosa que geralmente imaginamos. Todo pintado de cor de rosa (ou não fossemos nós ter uma menina), é espaçoso, confortável (tanto para a mãe como para o acompanhante), há uma poltrona e uns bancos com rodas para o pai da criança fazer palhaçadas e, não fossem os dispositivos e maquinaria médica a tomar conta da decoração, arriscar-me-ia a dizer que é mais acolhedor do que muitos hotéis que conhecemos, e não fosse tratar-se desta situação “delicada”, até era capaz de acontecer ali magia. Mas avancemos, que estamos aqui para tirar um e não para pôr lá outro.

CTG montado, check! Soro na veia, check! Bata da moda, check! Agora é esperar aqui tranquilamente. “Então e drogas?”, “Calma mãe, ainda é cedo”.

Tu estás lá. Sempre. Já estás mais calmo. Ajudas na respiração durante as contracções, dás a mão durante os toques (sim, são vários) e seguras a cabeça se houver vómitos. Não sais. Nunca. Se saíres 5 minutos, é nesses 5 minutos que o sacana do Murphy vai aproveitar para entrar, é nesses 5 minutos que tudo o que pode acontecer vai acontecer. Por isso prepara-te para este momento como se fosses para um acampamento dos escuteiros. Não, não é preciso meias com berloques, lenha, ou aprender a dar nós. Leva comida, água, carregador para o telemóvel e um livrinho. Se fores um gajo às direitas até pedes para te algaliarem.

Procedimentos e acontecimentos. Avaliações, reavaliações, mãos a entrar e coisas a sair. Tudo se torna normal, mesmo para os mais enjoadinhos. O teu cérebro vai entrar num modo “happy”, pelo que tudo o resto te começa a passar ao lado muito rápido, até porque tudo é feito com a maior das naturalidades e com toda a tranquilidade.

Drogas. Finalmente. Esta é a única parte em que te vão pedir para sair. Procedimento tranquilo e quase indolor. Mãe lá dentro contente, pai cá fora nervoso. A partir daqui tudo se torna mais fácil. Para a mãe da criança. Tu vais continuar a sofrer com as dores dela até ao fim. Mesmo que ela não as tenha. É assim, não há volta a dar.

Pessoas vão entrar para “colocar” coisas, pessoas vão entrar para “tirar” coisas. Homens ou mulheres, todos são extremamente afáveis e tudo é feito com muita tranquilidade e, na grande maioria das vezes, sem dor.

A mãe da criança adormece, a mãe da criança acorda. Tu não pregas olho. Estás demasiado feliz e ansioso.

“Águas!” diz ela estremunhada. Levantas-te num salto para ir buscar água. “Não estúpido! As águas, rebentaram as águas! Chama uma enfermeira e passa-me outro resguardo se faz favor.” Alguém tem que manter a calma…

“Então Enfermeira, é agora??”

Toque.

“Não queridos, ainda falta um bocadinho.”

As drogas continuam a chegar. Ninguém tem que sofrer.

Ninguém come. Ela porque não a deixam, tu por solidariedade.

Algumas horas (e doses de epidural) depois habemus dilatação. Seis, sete, oito, nove centímetros. Está na hora de aliviar um bocadinho as drogas para “aprendermos a fazer força”. Suportam ali uma mão cheia de contracções que nem heróis, com a ajuda de um enfermeiro amoroso que faz tudo parecer fácil.

“Ora vamos lá ver… 10 centímetros! Está quase na hora menina”. O coração acelera e és controlado por uma adrenalina que vai dali até Freixo de Espada à Cinta.

“Então e agora?”

“Agora é esperar mais um bocadinho.”

"Como assim esperar mais um bocadinho??”

Esperam mais uns instantes para ver se a criança desce.

Está mandriona e com a mão à frente da cara. Já é uma diva! Sem problema. “Vamos preparar tudo e chamar o Dr. para lhe darmos uma ajudinha com a ventosa.”

Vem o obstetra.

Tu ficas. Não sais. Nunca sais.

A tua adrenalina já vai láááááá em cima.

“Então vá, faça força.”

“Mais uma vez”.

Ouves chorar.



O mundo pára.



Por alguns segundos nada mais existe à tua volta para além daquele choro.

Voltas a ti. Ris-te e choras descontroladamente e ao mesmo tempo.

A tua criança está finalmente ali.

A mãe está calma. Foram cinco minutos, não mais. Sem dor.

Tu apercebes-te que já tiraste 300 fotografias e guardas o telemóvel. Beijas a mãe desajeitadamente, sem conseguires tirar os olhos da criança.

Finalmente. É a tua criança. Toda javardona, ainda cheia de sangue, placenta e outros fluidos, mas é a tua criança. Está ali, à tua frente. Podes finalmente pôr em dia os 9 meses que a mãe dela leva de avanço.

A mãe da tua criança está emocionada, exausta, dorida e meia escavacada. É a maior. Dás-lhe os parabéns. Agradeces-lhe. Uma e outra vez. Dizes-lhe em tom de gozo para desanuviar: “Olha o que fizeste! Estás contente?”.

Vais atrás da tua criança quando a levam para os exames de rastreio enquanto a equipa de enfermagem ajuda a mãe dela a “parir a placenta” e lhe dá alguns pontos, também eles indolores e que te custam mais a ti do que a ela. Ao passares não olhas. A sério, não olhes.

Limpam-te a criança, testam-lhe os reflexos, aspiram-na e pimba, uma vacina logo. Manuseiam-na com um à vontade tal que parece tratar-se de uma saca de batatas. Retém bem este momento. Pode ser aflitivo, mas vai-te dar alento para quando, na tua mariquice, tiveres receio até de lhe pegar por debaixo dos braços.

Voltam a reunir-se os 3. Confortam-vos e dizem-vos que tudo correu lindamente e que a criança está ótima. Trazem-vos a placenta numa bandeja e perguntam-vos se querem guardar para recordação a primeira casa dela. “Há quem cozinhe isto e coma…” (Han?).

Ficam sozinhos. Têm duas horas para desfrutar daquele momento. Duas horas até virem buscar a mãe e a criança para o internamento e correrem com o pai para casa. Assim, à bruta.

Aproveitam cada segundo. Tu para adorares a tua obra e a mãe da criança para, finalmente, descansar. Duas horas volvidas e lá vão elas. E lá vais tu.

E já está. Afinal sempre aconteceu magia.

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares